Se a ditadura caiu de podre em 1974, a democracia já é adulta e deve continuar o seu caminho de sentido único. E nestes dias que perfaz 50 anos desse feliz dia, mais não é do que a expressão e continuidade da vontade de todos aqueles e aquelas que o desejaram, quando, fardados e sem medo, vieram para a rua contestar e enfrentar um regime caduco há muito. Inspiraram o Povo que de seguida os acompanhou. Só nesse momento, o golpe militar se transformou em revolução. Só nessa ocasião, o espírito coletivo tomou consciência plena do grande encontro histórico que Portugal vivia. E quando a consciência de um Povo toca a realidade, o caminho faz-se em via única – não há retorno. E foi em Liberdade, que o país se sentou à mesa ideológica e discutiu o caminho a seguir. E foi em Liberdade, que um milhão de ideias diversas descontraiu a alma lusa, para comparticipar essa mesma Liberdade com os povos seus irmãos lusófonos, aos quais o regime impunha uma colonização tão injusta, como a ditadura que infligia ao seu próprio povo. A Liberdade foi generosamente devolvida por entre quase todos os povos que Portugal então colonizava.
É por isso que agora relembramos justa e dignamente, uma das etapas mais brilhantes do século vinte mundial. O cravo que a florista tão simbolicamente impos no cano da G3, em plena convulsão popular do Rossio, que transformou e romantizou a revolução que inspirou o mundo ao chamar-lhe “Revolução dos Cravos”, vendo nela a libertação conseguida sem guilhotinas, sem enforcamentos e sem pelotões de fuzilamento. Foi mais um ato do humanismo intrínseco que se regista em toda a Literatura Universal Lusíada.
Para quem, como eu, viveu nesses tempos, o valor a dar à Liberdade é incalculável. As gerações que cresceram no pós74, foram brindadas com essa chama democrática que a Liberdade acendeu. Cresceram iluminadas por essa Luz. E se algum apagão político momentâneo acontecer aqui e ali durante os seus percursos de vida, terão sempre a Liberdade como recurso e única arma, para combater tentativas desviantes. A Democracia é filha natural da Liberdade.
Nem tudo está concluído, feito e terminado, cinquenta anos depois. Estamos longe de baixar os braços. Nos conturbados dias que vive a Humanidade, a Liberdade será sempre essencial como vigia constante da defesa dos sublimes Direitos Humanos. A primazia humana, assume enorme responsabilidade no controlo da sua própria existência, do planeta onde vive, dos restantes animais à sua guarda. O trabalho a fazer é ainda vasto e complexo. Mas nada que possa ultrapassar a vontade humana, associada à Liberdade.
Portugal pode e deve sentir-se orgulhoso de ter completado este primeiro meio-século de Liberdade Democrática. Mas agora e cada vez mais, a sua responsabilidade aumenta, na defesa do conquistado até hoje pelo seu Povo. Desde o início que esta Democracia tem sido ameaçada pelos extremos. No princípio, pelos comunistas e sua tentativa de tomada do poder. Hoje, por uma extrema-direita, saudosa das suas ditaduras e nacionalismos. Nalguns casos políticos, a Liberdade das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores está ainda presa por Lisboa a anomalias pragmáticas e pouco generosas, confinadas por uma desconfiança anómala que contradiz a própria História portuguesa e nada virada para os novos tempos. Precisamos continuar a ser ousados na reivindicação; Ser límpidos na inter-relação; Ser exigentes no alargamento das autonomias insulares; Ser democratas nos seculares laços que nos unem; Ser sinceros e justos na distribuição dos recursos naturais; Ser modernos e atuais nas leis e constituições; Ser obreiros de relacionamentos inspiradores entre os três territórios; Ser, afinal, o novo 25 de abril que continuará a iluminar as trevas que o mundo atravessa.
Estas são apenas algumas das perspetivas possíveis, pela generosa dádiva de 1974, aberta pelos militares e por eles posta à disposição do Povo Português durante cinquenta anos.
Viva a Liberdade. Democracia, sempre.
José Soares*