Embora na minha condição de laico, tenho o maior respeito pela cultura e tradição do meu povo, a sua religiosidade e a sua fé. “A fé é acreditar no que você não vê; a recompensa dessa fé é ver o que você acredita.” (Santo Agostinho).
Nasci num “sábado das Festas” ou, para utilizar a expressão mais popular, “sábado do Senhor”. Assim sempre me disse quem me trouxe ao mundo. E nasci num edifício do Campo de São Francisco, cuja traseira dava (e ainda dá) para a Avenida Marginal de Ponta Delgada (rua Combatentes da Grande Guerra, assim se chamava antes da existência da Avenida). Embora com o Hospital (antigo) ali ao lado, no meu tempo nascia-se em casa. Chamavam a parteira e tudo estava feito. A senhora não era cursada nem diplomada na função. Era curiosa e ao longo de toda a sua longa vida, nunca lhe morreu ninguém às mãos.
Todos os anos, uma peregrinação aérea regressa de várias partes do mundo. Emigrantes açorianos e seus descendentes de segunda e terceira geração, que fora da geografia açoriana, compõem a décima Ilha. De facto, sair da Ilha é sempre a pior maneira de ficar nela, como tantas vezes escrevi em revistas e jornais da Diáspora nos anos 70s do século XX.
Na minha condição atual de laico, vejo a tradição repetir-se ao longo da minha existência. A Fé popular que se impregnou na cultura insular pela influência de uma peça de arte sacra – uma imagem, um busto esculpido em madeira – cedro, imagino. As condições sísmicas dos Açores, sempre influenciaram estes apegos às forças divinas.
Sabemos que a imagem terá sido oferecida pelo Vaticano, não sendo certo que duas ou três freiras tenham viajado sozinhas até Roma, dados os grandes perigos que acompanhavam tais longas viagens, tanto por terra, com tantos assaltantes, como pelos mares pilhados de piratas, em frágeis embarcações daqui até Itália. Seja como for, a imagem está cá.
Muitas histórias e lendas acompanham este culto há mais de 300 anos. A verdade terá sido deturpada, a favor de mitos e lendas que projetaram a imagem aos píncaros da fé açoriana.
Uma fé lampejada de esperanças que se renovam todos os dias, culminando nas grandes festas que agora se realizam e já lá vão mais de trezentos anos.
E pela primeira vez, a RTP/Açores apresentou uma série “Guardiões da Esperança” mostrando toda a organização por detrás daquele majestoso andor. Todo o trabalho meticuloso que tem como limite a procissão nas ruas de Ponta Delgada há séculos. As quantidades de flores, luzes e pessoas, numa simbiose única, a que mesmo um laico como eu não pode ficar indiferente.
Aos nossos irmãos açorianos que mais uma vez vieram de muito longe, com milhares de milhas percorridas, numa enorme romaria ao Senhor Santo Cristo, bem como a todos os crentes de outras paragens, de França, da Espanha, da Bélgica, do Luxemburgo, de Portugal e muitos outros lugares, acorrendo à chamada da meditação perante esta imagem que continua a fazer o milagre de reunir milhares e milhares de pessoas, esperamos que todos e todas encontrem as respostas suplicadas por uma Paz e Solidariedade cada vez mais necessárias a todos os povos da Terra.
O semblante do rosto desta imagem, transmite isso mesmo: Paz, Humildade e Resiliência na nossa Humanidade.
José Soares*