Privatizar a Azores Airlines julgando que se resolve o problema da SATA é um erro crasso.
É verdade que a subsidiária do grupo foi responsável, entre 2013 e 2019, por um passivo assustador, que passou de 199 para 465 milhões de euros e o capital próprio foi sujeito a uma acentuada erosão, atingindo o valor negativo de 230 milhões de euros no final de 2019.
Depois disto nunca mais atinou e continua numa trajectória de degradação das suas contas, a julgar pelo silêncio da Administração e do Governo Regional, que teimam em esconder dos cidadãos os prejuízos do ano passado.
O diagnóstico sobre este passado ruinoso já foi feito por mais de uma vez pelo Tribunal de Contas, confirmando que, para estes resultados, contribuíram “as opções de gestão relacionadas com o processo de renovação da frota de longo curso e a sua posterior reversão, bem como a exploração de rotas sujeitas a obrigações de serviço público sem a correspondente compensação financeira”.
Ou seja, tudo opções erradas de gestão, com a escolha e cobertura política dos sucessivos governos do PS, que também já foram julgados por isso.
A grande questão que se coloca, no presente, é o que fazer para salvar a companhia.
O júri do processo de privatização foi claro ao alertar que tem reservas sobre a capacidade financeira do único candidato e sentenciou, a nosso ver, o desfecho que se devia dar a este processo: “É sempre errado libertar-nos de um ativo que pode gerar valor, sobretudo se vamos fazer isso porque não fomos capazes de ir buscar esse valor”.
Ora, chegados a este ponto, já se percebeu que a privatização, a ser feita nos termos em que foi proposta pelo único candidato, é um erro que só vai agravar o futuro da Azores Airlines e de todo o Grupo SATA.
A companhia precisa de ser capitalizada e é imperativo que tenha uma gestão privada, porque está viciada nos benefícios de um funcionalismo público que valoriza os direitos, mas desorganizada nos deveres.
Só que essa privatização não deve ser feita a todo o custo e a jacto, porque corre o risco de entrar em voo picado, devido à inexperiência de novos donos e da falta de “força financeira” para reerguer a companhia.
O mais acertado é mesmo cancelar todo este processo e procurar outras formas de contrariar os burocratas de Bruxelas, que pouco percebem de aviação e muito menos do que é viver em ilhas isoladas no meio Atlântico.
Esta é, também, uma forma de salvar a SATA, procurando um reforço de soluções mais condizentes com a importância da companhia para nós, habitantes destas ilhas, em vez de contentar os mangas de alpaca da Comissão Europeia.
As condições do caderno de encargos e os pressupostos da privatização já não são os mesmos, passado todo este tempo. São necessários acertos, como muito bem alertou a Presidente da SATA há poucos meses.
Por outro lado, é preciso envolver mais os trabalhadores da companhia no futuro da empresa, coisa que nunca foi feita com seriedade, nem vontade.
A Air Açores também vai precisar de uma atenção muito especial, no que toca ao seu futuro, com a substituição da actual frota, a breve trecho, que está em fim de ciclo.
E o que se vislumbra nesta discussão – que parece estar resguardada apenas para os gabinetes de gestão política – não augura nada de bom.
A SATA precisa de decisões técnicas e de decisores competentes, coisa que faltou durante todos estes anos e que provocou o estado em que se encontra.
Foi um erro, por exemplo, as sucessivas administrações da empresa terem ignorado o contributo dos seus profissionais, especialmente os mais experimentados e com conhecimentos especializados nas matérias, preferindo decisões com base pouco sólidas e longe das necessidades da companhia.
O caso da frota da Air Açores é um exemplo, que se espera não se ver repetido por estes dias, em que se vai decidir quais as opções a tomar.
Um grupo de pilotos da SATA Air Açores, por exemplo, apresentou em tempos à Administração da companhia um estudo operacional, amplamente documentado e fundamentado tecnicamente, que tinha como objectivo conferir maior e melhor mobilidade às ilhas de Santa Maria, S. Miguel, Terceira, Pico e Faial.
O estudo serviu para debater com a Embraer a possibilidade da implementação de um projecto, que apontava para várias rotas e horários possíveis, resultando num lucro operacional na ordem dos 6 milhões de euros, quando estas rotas já tinham um prejuízo de mais de uma dezena de milhões de euros.
A Embraer validou todos os dados do estudo e, depois disso, quer o Director de Operações de Voo da altura, quer a própria Administração, ficaram satisfeitos com todo o processo e terão dado a entender que “tinha pernas para andar”.
A grande surpresa veio depois, porque parece que não houve vontade política para implementar o plano; porque alguém de “lá de cima” terá mandado parar o processo e lá ficou o estudo na gaveta.
Com os aviões Embaer previstos no projecto, pilotados pelos pilotos da Air Açores, não seria necessário aumentar pistas, poupando-se, assim, dezenas de milhões de euros e ajudava a conferir sustentabilidade financeira à SATA Air Açores. O avião proposto seria o Embraer 190, de 96 lugares.
O estudo ficou na gaveta e as opções foram outras, que resultaram naquilo que se vê.
Esta história é apenas um dos exemplos de como se geria a SATA, em que outros interesses ocultos abafavam as opções estritamente técnicas. Querem repetir a dose?
Resta-nos rezar para que não se cometam os mesmos erros, agora que a SATA está numa encruzilhada.
Salvar a SATA não pode ser vendê-la ao desbarato, nem tomar opções às cegas.
Falem com os excelentes profissionais da companhia, que têm a lição mais bem estudada do que os políticos.
Não a massacrem mais!
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CONFLITO À VISTA? – Esta crónica foi escrita antes da demissão da Presidente da SATA.
Uma demissão estranha num tempo crucial de decisões, acompanhada pela demissão do Director Financeiro.
Duas demissões que trazem água no bico, a fazer lembrar outros tempos conturbados da gestão da empresa.
Se é por conflito estratégico, ou seja, se é porque a administração pretende cancelar este processo de privatização e o governo, ao contrário, quer avançar para a privatização com o único concorrente, então o melhor que o governo de Bolieiro faz é ir preparando as malas para entrar lá para o fundo do porão.
Foi assim que os governos de Vasco Cordeiro começaram a decair e foi por causa de processos semelhantes na TAP que Pedro Nuno Santos perdeu credibilidade.
Se é este o caminho que pretendem, boa sorte!
Osvaldo Cabral
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