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Politicamente (in)Correto

A autonomia açoriana chegou, ao longo das últimas décadas, à esmagadora maioria das franjas da sociedade de uma região que, pela sua condição insular, descontinuada fisicamente e com diferentes ritmos e níveis de desenvolvimento, sempre se habituou à resiliência, à capacidade de sofrimento, à luta incessante e sem tréguas pela melhoria das condições de vida e de sobrevivência dos seus cidadãos.
Foi e é assim na educação, na saúde, na agricultura, no mar, nos transportes, nas infraestruturas necessárias a toda e cada uma das nove parcelas territoriais dos Açores.
No desporto, ao longo dos anos, foram também necessárias algumas “revoluções” estruturantes na organização das diversas modalidades e na capacitação de técnicos, meios físicos e despistagem de talentos. E eles surgiram e surgem, são “trabalhados” com competência e dedicação, conseguindo meritórios resultados no cotejo direto a nível nacional ou internacional.
O futebol, porém, tem uma estrutura muito própria. Desde logo a existência de três associações, correspondendo à anquilosada perspetiva do Estado Novo, na divisão administrativa do território a contemplar os “distritos” de Ponta Delgada (ilhas de São Miguel e Santa Maria), de Angra do Heroísmo (ilhas Terceira, Graciosa e de São Jorge) e da Horta (ilhas do Faial, do Pico, das Flores e do Corvo). Este ponto de partida é uma espécie de “tabu” nas mesas de discussão em relação à evolução sustentada do futebol açoriano, quer ao nível da formação de atletas (a primeira e incontornável base de raciocínio, planeamento e ação), quer ao nível da construção de um plano – efetivamente – competitivo, alicerçado no interesse comum de clubes, atletas, público e empresas que possam ajudar a suportar o edifício.
Reparem que não falo no interesse dos dirigentes, uma classe responsável, ainda hoje, pela inexplicável “tridimensionalidade” da organização do futebol nos Açores. Claro que esse é um fator que ajuda a ter notoriedade no seio da Federação Portuguesa de Futebol, da qual as três associações são sócias, a viajar, a acompanhar seleções nacionais das diversas categorias, a participar nos torneios um pouco por todo o país e, em tese (apenas em tese!), a estimular uma, na verdade, pouco consistente competitividade regional interassociações, numa região – sejamos sérios… – com apenas 250 mil habitantes, nove ilhas de muito diferentes dimensões físicas e demográficas, e 19 concelhos.
O que se poderia e deveria ganhar com a existência de uma Federação de Futebol dos Açores (FFA) é incomensuravelmente maior, melhor e mais duradoiro para o futebol da região do que o atual modelo fraturante e fraturado. Admitindo mesmo que, no seu seio, continuassem a coexistir as três associações com a atual divisão e composição, a perspetiva de um trabalho de fundo, geracional, pensado, criado e estimulado para o bem do desenvolvimento do jogador e da jogadora açorianos de futebol, futsal e futebol de praia, projetado para a modernidade com a integração dos “eSports”, criando um modelo de jogo, um modelo de competição e um modelo de governança adaptados às realidades regionais, parece-me o caminho mais certo e mais seguro.
Não é, bem o sei, uma solução fácil. Exige trabalho, desprendimento de alguns “direitos adquiridos”, capacidade de visão e estratégia de médio e longo prazo.
E passaria, evidentemente, pela autonomização internacional do futebol açoriano, refletindo em pleno o estatuto autonómico da região, tornando a FFA membro da UEFA e da FIFA e criando representações dos Açores nas principais provas de clubes e de seleções sob a égide das entidades de Nyon e de Zurique. Nada que não tenha sido adotado, por exemplo, pelas ilhas Faroé, cujo estatuto político-administrativo em relação ao Reino da Dinamarca não difere, no essencial, do seu homólogo dos Açores em relação à República Portuguesa, garantindo, no limite, do ponto de vista legal, essa representatividade internacional e essa verdadeira autonomia de gestão e de desenvolvimento desportivo.
Não será fácil de implementar? Não será fácil de convencer egos e personalidades muito fechadas nas suas campânulas? Decerto não será. Mas caminhos fáceis, para os açorianos e ao longo da história, não têm existido.
E bem mais difícil do que estruturar estes patamares de evolução administrativa, desportiva e competitiva será, justamente, convencer algumas pessoas a pensar largo, e a reconhecerem que o mundo só começa verdadeiramente quando se sai de casa, da ilha, da região…

NOTA FINAL
Não sou crente, e olho para as Festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres com o absoluto distanciamento emocional de quem analisa um fenómeno religioso, cultural e profano de grande amplitude e impacto na vida anual de Ponta Delgada, de São Miguel, dos Açores e da sua diáspora. No absoluto respeito pelas mais profundas convicções de cada um e de cada uma, desejo, obviamente, uns excelentes domingo e segunda-feira de Santo Cristo, dias fortes da religiosidade e da crença de milhares de açorianos residentes na região e espalhados pelo mundo.

Rui Almeida*

*Jornalista

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