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Em memória de Mariano Pacheco(1879-1965), antigo remador da Alfândega: Morrer no mar

era pescador
e tinha um sonho
que era morrer no mar

quando houvesse uma forte tempestade
e o barco de pescar se afundasse
com as redes as iscas e os anzóis
e os remos como braços perdidos a boiar

nesse seu leito sepulto aí descansasse
de toda a labuta que teve de enfrentar
desde a infância ao homem feito o adulto

dos peixes fosse alimento
não dos vermes espreitando a descida do corpo
à terra húmida e sedenta onde se vão deitar os mortos deste mundo
para esse longe que dizem ser a eternidade

o mar devia ganhar-lhe a luz dos seus olhos
já que dele fora o seu ganha-pão
e jazer no fundo do mar
poder sentir no que restar dos seus ossos e da sua sombra
a infiltração do sol e bendizer a noite o luar

e o acorde das cagarras e de outras aves a cantar
com a voz das sereias

  • e ele no seu silêncio adormecido no seio desse mar

embrulhado numa rede
como se fosse o sudário que envolveu o corpo de Cristo
e poder de novo ressuscitar para um mundo

onde pudesse vaguear de novo
a força telúrica dos seus sonhos

Victor de Lima Meireles

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