Comissão Especializada defende vários cenários, entre os quais a de rotação a 14 dias com escala semanal em todas as ilhas
O “Diário dos Açores” teve acesso ao relatório final da Comissão Especializada, presidida por João Carvalho, nomeada pelo Governo dos Açores, que analisou o estudo sobre o transporte marítimo de mercadorias nos Açores. O relatório final não se compromete com um único cenário nem tem conclusões, tal como já se verificava no estudo, deixando a opão final para a responsabilidade do governo. O relatório sugere apenas alguns dos cenários que já tinham sido descritos no estudo. O nosso jornal também teve acesso a uma análise crítica do relatório, da autoria do Comandante Lizuarte Machado, a pedido de algumas entidades. Entretanto, ontem a Secretária dos Transportes, Berta Cabral, emitiu uma nota sobre o assunto, que também transcrevemos.
Berta Cabral garante que haverá “mudança gradual” sem prejudicar nenhuma ilha
O Governo dos Açores, através da Secretaria Regional do Turismo, Mobilidade e Infraestruturas, anunciou ontem que apresentou já, a diversos parceiros setoriais, as conclusões da Comissão Especializada Independente relativamente ao estudo sobre o transporte marítimo de mercadorias na Região.
O estudo ficou concluído em 2023 e passou, de imediato, para a Comissão Especializada Independente – no entanto, a crise política que levou a que o Governo dos Açores ficasse em gestão e a consequente convocação de eleições antecipadas contribuiu para o longo hiato temporal até à apresentação do estudo e do relatório da referida comissão aos vários parceiros setoriais, explica o governo.
Na quarta-feira, a Secretária Regional da tutela, Berta Cabral, em conjunto com o Doutor João Carvalho e o Engenheiro Ribeiro Pinto, elementos da Comissão Especializada Independente, apresentaram as conclusões de ambos os documentos às câmaras do comércio dos Açores, bem como aos operadores portuários da Região, lê-se na nota.
Depois de analisar o estudo, os membros da Comissão, liderada por João Carvalho, antigo Presidente do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, sublinharam a importância de superar algumas restrições existentes à operação do tráfego local; de aumentar a eficiência de todo o sistema, em particular na operação e nos custos portuários; e de reforçar os meios e equipamentos disponíveis nas infraestruturas portuárias da Região.
Os membros da Comissão concordam, globalmente, com as conclusões do estudo e salientam a necessidade de promover uma evolução progressiva do modelo, transitando entre os diversos cenários identificados no estudo, de modo a consolidar um modelo robusto que garanta frequências de abastecimento semanal a todas as ilhas, a operação de navios de cabotagem entre os portos continentais e os portos de Ponta Delgada e da Praia da Vitória, bem como uma articulação adequada entre a cabotagem insular e o tráfego local.
Ponderando as vantagens e desvantagens de cada modelo apresentado no estudo, a Comissão Técnica Independente sinalizou que aqueles que se afiguram mais vantajosos e concretizáveis a curto/médio prazo são a realização de uma escala semanal em todas as ilhas, contribuindo para a coesão territorial e social entre as várias ilhas dos Açores; um reforço das ligações entre os Açores e o continente, o que permitirá aumentar a oferta à disposição dos vários agentes económicos e, em particular, a colocação de produtos frescos ou refrigerados no continente ao final da semana, contribuindo para a maior competitividade de algumas indústrias exportadoras dos Açores.
Berta Cabral reforçou a necessidade de garantir que “a evolução do processo deverá ser baseada numa melhoria contínua, sem disrupções, com uma mudança gradual, racional e segura, que não coloque em causa o abastecimento a nenhuma ilha dos Açores em nenhum momento”.
A Secretária Regional revelou que já está a haver trabalho com os armadores de cabotagem para garantir frequências semanais para as ilhas de Santa Maria e Graciosa, bem como para promover uma maior articulação com os armadores de tráfego local para agilizar operações e assegurar o frete corrido.
Berta Cabral recordou, também, as permanentes diligências adotadas junto do IMT e da AMT, no sentido de reportar os incumprimentos e as falhas registadas na operação em várias ilhas da Região, identificando a reunião ocorrida em agosto, na Secretaria Regional, com o IMT, como um momento de melhoria e mudança de atitude.
“Há caminho a trilhar e trabalho a fazer, mas é isto que precisamos: uma evolução gradual e concreta, que contemple não só a importação, mas cada vez mais a exportação, que já tem um volume significativo. O SIFROTA é um importante instrumento, que já está a dar frutos, e já permitiu a entrada de uma embarcação no sistema do tráfego local com possibilidade de transportar contentores. A frota irá evoluir naturalmente e robustecer o sistema e o nosso mercado interno”, reafirmou a governante.
E concluiu: “todo este ecossistema está baseado – e tem de ser baseado – na promoção da coesão territorial e na solidariedade regional, do mesmo modo que há solidariedade nacional para com os Açores e da União Europeia para com o país e a Região”.
Relatório defende três cenários
O relatório final da Comissão Especializada contém 19 páginas, com gráficos e figuras explicativas, mas apenas na parte final descreve a sua posição, que é a seguinte:
“Os membros da Comissão concordam que, ponderando as vantagens e desvantagens de cada modelo, aqueles que se nos afiguram mais vantajosos e concretizáveis a curto/médio prazo são:
- Cenário 1 — Rotação a 14 dias: este cenário é aquele que se afigura de mais fácil implementação, assegurando a realização de uma escala semanal em todas as ilhas, contribuindo para a coesão territorial e social entre as várias ilhas dos Açores;
- Cenário 3 — Modelo Misto: este cenário alia à realização de uma escala semanal em todas as ilhas, um reforço das ligações entre os Açores e o Continente, o que permitirá aumentar a oferta à disposição dos vários agentes económicos e, em particular, a colocação de produtos frescos ou refrigerados no Continente ao fmal da semana, contribuindo para a maior competitividade de algumas indústrias exportadoras dos Açores.
É de salientar que a Comissão reconhece também os méritos do Cenário 2, com rotação de navios a 7 dias, porventura considerando também algum reforço nas ligações para o Faial. Porém, o sucesso deste modelo está fortemente dependente do investimento na dotação de meios de movimentação de contentores nos portos que atuem como Hub, por forma a reduzir os tempos de carga e descarga dos navios, sem o qual, este modelo de operação poderá revelar-se inviável.
Não obstante, e existindo armadores com preferência para os modelos de rotação a 14 dias e outros armadores com preferência para os modelos de rotação a 7 dias, a Comissão considera que nenhum deles deve ser inviabilizado ou impedido, motivo pelo qual considera ser vantajoso o Cenário 3 — Modelo Misto a curto ou médio prazo.
Tendo conhecimento de que está a decorrer, em paralelo, um estudo sobre o transporte marítimo de passageiros (através de navio ferry) na Região Autónoma dos Açores, recomenda-se que os estudos sejam compatibilizados entre si.
SOBRECUSTOS DA INSULARIDADE
No benchmarking realizado com as ilhas Canárias, o estudo evidencia que, ao contrário de Portugal, existe em Espanha uma verdadeira política pública do Governo Central na mitigação dos custos da insularidade, através da atribuição de apoios aos produtores e agentes económicos locais, que dependem no transporte marítimo para a obtenção e exportação dos seus produtos.
Este sobrecusto da insularidade, que onera a economia dos Açores, é quantificado em 2% do PIB da Região Autónoma dos Açores, o qual corresponde ao montante anual que os agentes económicos despendem com serviços de transporte marítimo de contentores entre os Açores e o Continente.”
Comandante Lizuarte Machado sobre o relatório
“Comissão Especializada não correspondeu às competências que lhe foram atribuídas”
“Breves notas acerca do Relatório da Comissão Especializada Independente, nomeada pelo Despacho n.º 1232/2023 de 17 de Julho de 2023 de Sua Exa., a senhora Secretária Regional do Turismo, Mobilidade e Infraestruturas.
À Comissão Especializada Independente foram atribuídas as seguintes competências:
1- Avaliar os modelos propostos no estudo da VCDuarte e propor eventuais ações corretivas e de melhoria;
2) Propor o modelo mais adequado para o transporte marítimo de mercadorias, que promova um verdadeiro mercado interno e assegure maior regularidade, previsibilidade e estabilidade das operações;
3) Elaborar um relatório final das suas atividades.
Como é sabido o “estudo” da VC Duarte não procurou sequer esboçar um estudo de mercado ou efetuar uma análise operacional que permitissem construir um modelo de simulação de cenários alternativos.
Daí resulta um não estudo que se carateriza por:
1- Analisar a situação de forma empírica, com base em escalas/itinerários anunciados e não em escalas/itinerários realizados.
2- Não utilizar bases de dados analíticas, hoje disponíveis e com informação sobre todos navios em operações.
3-Não utilizar estatísticas de tráfego por serviço/navio, detalhadas por viagens, mas apenas estatísticas portuárias globais.
4-Não apresentar matrizes de tráfego com todas as origens e todos os destinos, por escala, por tipo de contentor, cheios e vazios, etc.
5-Não analisar as estruturas de custos dos serviços explorados, nem com base nos dados reais dos armadores, nem com base em estimativas próprias.
6-Não ter em conta a idade média da frota de navios a operar atualmente e o facto de os navios no tráfego estarem no fim de vida útil para um serviço de linha regular com requisitos particulares (operacionais, de garantia de serviço e segurança).
7- Não mencionar nem avaliar alternativas para a renovação da frota.
8- Não efetuar uma análise de benchmarking para encontrar alternativas de operação. Limita-se a, imagine-se, a procurar nas Canárias semelhanças com o que existe na RAA.
7- Os Cenários estudados serem os que resultaram de consultas aos armadores e não de avaliações económicas dos consultores. Trata-se de uma recolha de opiniões e não de uma verdadeira análise económica de modelos.
A Comissão Especializada Independente não correspondeu, como era de prever, de forma alguma, às competências que lhe foram atribuídas, o que de certa forma, era espectável, pelo menos para quem já conhecia o estudo.
Todavia, tratando-se de “especialistas independentes”, independentes de quê?, para cumprirem a missão que lhes foi atribuída, era sua obrigação irem muito para além do suposto “estudo”. Infelizmente tal não aconteceu.
Em primeiro lugar, o relatório da Comissão Especializada Independente não efetuou a avaliação dos “modelos de operação propostos no estudo” e não propôs qualquer tipo de sugestões de melhoria dos mesmos.
Limitou-se a reproduzir textualmente a informação (escassa, insuficiente e datada no tempo) contida no relatório da VC Duarte.
A Comissão Especializada Independente refere concordar “globalmente” com as conclusões. Quais? Todavia, não aponta qualquer tipo de novas questões/condições especificas. Apenas refere a necessidade de renovação da frota do tráfego local regional, questão menor tendo em conta o problema maior, ou seja, a idade média de todos os navios em operações nos Açores, superior a 25 anos.
Por incrível que pareça, a Comissão Especializada Independente não se apercebeu sequer da necessidade absoluta de investimento em todo o sistema de transportes e como ele deve ser planeado e financiado. Sendo que, não se trata apenas de navios, mas também de equipamentos portuários e sistemas integrados de gestão das operações (navios-portos-logística, digitalização).
Em segundo lugar, a Comissão Especializada Independente não se pronuncia, nem propõe, como era sua obrigação, “o modelo mais adequado para o transporte marítimo de mercadorias”. Limita-se a reproduzir os cenários do relatório da VCDuarte e a referir que há armadores com posições diferentes sobre os mesmos. Podera!
Salvo melhor opinião, o relatório da Comissão Especializada Independente, à semelhança do ”estudo” que está na sua génese, roça a indigência.
Piedade do Pico, 6 de Outubro de 2024
Comandante Lizuarte Machado