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História da Autonomia Açoriana: A dupla hélice autonómica 3/3

“Pelo lado de S. Miguel verificamos independentismo e autonomia-ilhéu; saiu-lhe o Jackpot com a criação da autonomia política em 1976 à custa das restantes ilhas, dando luz, finalmente, ao seu independentismo económico. Uma Região política só o é se os seus povos forem solidários entre si.”

Vou finalizar este projeto de ensaio semanal e jornalístico, antigo e sistémico, com estes três textos: o 1.º sobre a local, o momento e data do nascimento da autonomia açoriana; o 2.º sobre os elementos para a construção da História Política dos Açores; e o 3.º sobre a matriz genética da autonomia insular.

  1. A contradição entre a unidade do arquipélago e a unidade da ilha

Somos um arquipélago e, portanto, a nossa história é composta pelas nove ilhas. Cada uma, à sua maneira e ao longo dos anos, colaborou nessa evolução do povoamento à atualidade. Mas as duas ilhas que mais contribuíram para essa história política foram claramente a Terceira e S. Miguel: ao longo dos séculos a Terceira pela sua centralidade cultural, política e demográfica; S. Miguel pela sua dimensão económica, elitista e demográfica. Mas as duas ilhas têm um outro registo que é imperioso verbalizar: a sua história política açoriana.
Neste esquadro encontramos uma hélice da autonomia, algo idêntico à hélice do ADN (ou DNA): duas linhas condutoras, lado a lado e que no mesmo eixo contêm, entre si, todas as informações genéticas da vida política. A história da autonomia açoriana está assente nesta hélice que nos dá uma imagem clara da nossa mentalidade autonómica. É fácil concluir que nos Açores existe um forte sentimento de unidade nacional, porque ser-se açoriano é ser-se lusitano, de D. Afonso Henriques, de Fernão Magalhães, de Camões, da língua portuguesa, da história nacional, enfim, o açoriano é português e quer continuar a sê-lo. Mas não existe tal dimensão e com tal profundidade para a unidade regional: na cultura encontramos unidade no Espírito Santo e tradições e na dureza das crises sísmicas e atlânticas; mas subsiste um certo desencanto que para muitos é sentimento, para outros é consciência e para poucos é pensamento.
A explicação-síntese para o desencantamento regional está na nossa história política, naquela hélice. Pelo lado da Terceira, verificamos contribuição para a unidade das ilhas; mas a criação da autonomia de 1976, da EDA e o Sismo de 1980 rebentaram-lhe as entranhas a favor de S. Miguel. Pelo lado de S. Miguel verificamos independentismo e autonomia-ilhéu; saiu-lhe o Jackpot com a criação da autonomia política em 1976 à custa das restantes ilhas, dando luz, finalmente, ao seu independentismo económico. Uma Região política só o é se os seus povos forem solidários entre si. Portugal é uma República que se baseia na solidariedade das suas populações; e assim a Constituição o determina logo no seu 1.º normativo.
Enquanto, na década de 1580, a Terceira debatia-se pela unidade das ilhas e do país, dando construção ao maior símbolo da autonomia açoriana, “Antes morrer livres que em paz sujeitos”; S. Miguel, e por vontade desta também St.ªMaria, abandonava-nos a troco dos privilégios económicos do monarca estrangeiro. Quando na década de 1820 estava em causa a escolha do monarca do liberalismo, a Terceira manteve-se fiel aos ideários da modernidade e S. Miguel sobretudo estava interessada nos privilégios da monarquia absolutista, modelo perfeito para a economia de monopólio e diferenciação dos estratos sociais. Nessa altura os terceirenses tiveram de ir em embarcações até S. Miguel para os obrigar a essa modernidade e conseguiu vencê-la numa batalha tão significativa como a grandiosa Batalha da Praia; este magnífico acontecimento, a Conquista Liberal dos Açores, é uma força de unidade “regional” sem paralelo. Quando na década de 1890 S. Miguel tratou de resolver os seus problemas através da adoção-manutenção da autonomia administrativa, com a justificação de que era o único distrito do país cujas receitas eram mais elevadas do que as despesas, precisamente o modelo da elite empresarial latifundiária, fê-lo sem pejo importando-se pouco com os outros distritos que existiam desde a década 1830. S. Miguel nunca reconheceu que esse modelo que lhe dava certa independência das ilhas por decorrência do liberalismo na qual a Terceira foi a capital do reino e aqui foram pensadas estas e outras leis da modernidade do país. E nunca reconhecerá: a elite não é intelectual; é económica e latifundiária. E no verão quente de 1975 perante as dúvidas do caminho que o país estava trilhando, enquanto todas as ilhas se mantinham fiéis à República, S. Miguel, 1.º, movimentou-se com a diáspora, e com os EUA sem êxito, para se tornar independente. Pior, fê-lo para tornar os Açores independentes sem dar cavaco às restantes ilhas, embora pretendesse, sem êxito, que Vitorino Nemésio fosse o primeiro presidente dessa república. E, 2.º, só depois, se inteirou pela autonomia política. Antes de tudo isso – todas as propostas de S. Miguel, sem exceção, eram-no num sentido político das antigas cidade-república, tão a gosto de Antero de Quental; só na Terceira é visitável ideários de unidade arquipelágica. Nas duas primeiras décadas S. Miguel geriu as ilhas ao seu gosto exclusivo, mas dando ouvidos e cedendo outro tanto às restantes ilhas; mas a partir do início da terceira década até hoje, domina inteira e negativamente as sete ilhas do ocidente através do centralismo e da concentração.
Esta matriz genética duma Terceira de unidade regional e dum S. Miguel de unidade ilhéu – nenhum povo aceita, diz-nos a história. O povo terceirense – como se confirma pelos inquéritos que fomos fazendo ao longo dos anos – e veja-se como ficam irados quando se afirma que Ponta Delgada é a capital açoriana – está farto dessa hegemonia inconsequente com a autonomia e a democracia.
Diziam os antigos que “a educação individual é obra de toda a vida, mas que a educação política é obra de séculos”. Subsiste, realmente, uma regra social que impede que o coletivo se desenvolva como o individual. Por isso se compreende que em quase meio século de política de soberania a Região – com políticos regionais que não têm educação política, mas tão-só educação política de autarquia – é gerida por esquemas de interesses hegemónicos e monopolistas. A motivação de se ver a paradisíaca St.ª Maria tornar-se a ilha dos foguetões ou o enorme foco na mineração domar açoriano; e, ao mesmo tempo, a multiplicativa de planos de salvaguarda dos mares que os especialistas afirmam ser papel sem valor efetivo afinal – tem por detrás um modelo de todos os ovos no mesmo cesto. Duas ilhas centrais e defeituosas: S. Miguel tem o defeito genético de açambarcamento económico e agora democrático; defeito, bem entendido, que não é do povo micaelense; mas da sua elite civil egoísta e independentista, e a sua elite política medíocre e interesseira. A ilha pobre, a Terceira, tem o defeito de não lutar por melhor; não por culpa do povo terceirense, mas da sua elite política interesseira e pseudointelectual. O arquipélago – está carente de liberdade e democracia, de inteligência e justiça.

Arnaldo Ourique

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