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Igreja Nacional Portuguesa das Cinco Chagas: a alma centenária da comunidade luso-americana em São José

A comunidade lusa nos Estados Unidos da América (EUA), cuja presença no território se adensou entre o primeiro quartel do séc. XIX e o último quartel do séc. XX, período em que se estima que tenham emigrado cerca de meio milhão de portugueses essencialmente oriundos dos arquipélagos nacionais, destaca-se atualmente pela sua perfeita integração, inegável empreendedorismo e relevante papel económico e sociopolítico na principal potência mundial.
Atualmente, segundo dados dos últimos censos americanos, residem nos EUA mais de um milhão de portugueses e luso-americanos, principalmente concentrados em Massachusetts, Rhode Island, Nova Jérsia e Califórnia. É neste último estado, que vive e trabalha a maior comunidade luso-americana do país, constituída por mais de 300 mil pessoas, e cuja presença histórica no oeste dos EUA remonta à centúria oitocentista, aquando da corrida ao ouro, da dinamização da pesca da baleia e do atum, e mais tarde das atividades ligadas à agropecuária.
A secular presença portuguesa na Califórnia, que se manifesta hoje na existência de diversas associações, clubes e fundações luso-americanas, encontra-se espargida na Igreja Nacional Portuguesa das Cinco Chagas, em São José, que constituiu um genuíno pilar de fé, de assistência espiritual e pastoral na maior concentração urbana portuguesa na Califórnia.
A génese da Igreja Nacional Portuguesa das Cinco Chagas remonta à década de 1910, mais concretamente ao ocaso do ano de 1913, época em que foi adquirido o terreno para construir o templo e foi apresentada uma petição ao arcebispo Patrick William Riordan, de São Francisco, visando instituir a Paróquia Nacional Portuguesa de Five Wounds.
A construção iniciada em 1914 contou com o apoio fundamental e fervoroso de monsenhor Henrique Augusto Ribeiro, um insigne açoriano nascido na segunda metade do séc. XIX, em Cedros, Ilha do Faial. Ordenado no término da centúria oitocentista, tornou-se vigário na freguesia de São Mateus, Ilha Terceira, tornando-se mais tarde vigário paroquial da Matriz de Santa Cruz, na Ilha das Flores.
Em 1912 emigrou para os Estados Unidos da América onde recebeu o título de Monsenhor, um título honorífico concedido pelo papa a certos eclesiásticos por serviços prestados à Igreja. Designado primeiramente para a região agrícola do Vale de São Joaquim, um dos centros da emigração portuguesa na Califórnia, monsenhor Henrique Augusto Ribeiro, chegou a São José em 1914, tornando-se o grande obreiro e impulsionador da Igreja Nacional Portuguesa das Cinco Chagas.
O seu papel basilar, escorado na generosidade constante da comunidade portuguesa, entre 1910-20 calcula-se que tenham entrado no território americano cerca de 150 mil açorianos, ficou plasmado na negociação que encetou em 1916 com o governo português para a compra da madeira do então desmantelado Pavilhão de Portugal da Exposição Panamá – Pacífico, em São Francisco, erigido no ano anterior no âmbito da Exposição Universal que decorreu nos EUA.
Inaugurada solenemente, a 13 de Julho de 1919, pelo arcebispo Edward Joseph Hanna, de São Francisco, a centenária Igreja Nacional Portuguesa das Cinco Chagas, encerra historicamente a particularidade de ter sido inspirada na traça arquitetónica da Igreja de Santa Cruz, uma das mais expressivas manifestações do período barroco na cidade de Braga, no norte de Portugal.
Adornada nas décadas de 1930-40, fase marcada pelo falecimento do monsenhor Henrique Augusto Ribeiro, com mais de três de dezenas de sublimes vitrais, e em constante dinâmica espiritual e pastoral enriquecida pela Irmandade do Espírito Santo. Assim como pela Escola Primária Five Wounds construída e inaugurada em 1960, época em que a emigração portuguesa para a América voltou a aumentar no decurso da erupção do Vulcão dos Capelinhos.
Assumindo-se desde o passado à atualidade como a alma da comunidade luso-americana em São José, a Igreja Nacional Portuguesa das Cinco Chagas, na esteira da magnífica obra monográfica assinada por Miguel Valle Ávila no âmbito das celebrações do centenário do templo, “Um Vestíbulo para o Céu”, tem almejado alcançar ao longo das décadas padres de língua portuguesa na liderança da paróquia. Como é o caso hodierno do padre António Silveira, e apoios beneméritos de figuras gradas da comunidade, vivificando-se como casa e escola de comunhão dos fiéis luso-americanos.
Numa época de grandes desafios para as comunidades portuguesas nos Estados Unidos, motivada pela conjugação do envelhecimento com a entrada de cada vez menos emigrantes lusos no território. A centenária Igreja Nacional Portuguesa das Cinco Chagas, que assinalou no passado dia 2 de Novembro o 110.º aniversário da fundação da paróquia, exprime simultaneamente, a ação pioneira da Igreja Católica no apoio aos emigrantes, e o pilar que a fé e a prática religiosa representam para uma parte significativa dos luso-americanos.
Como aclarava, em 2022, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, aquando da visita às comunidades luso-americanas da Califórnia, que computou a ida à missa na Igreja Nacional Portuguesa das Cinco Chagas, no âmbito do programa privado do mais alto magistrado da Nação, embora Portugal esteja fisicamente distante de São José, na Califórnia, “tem um território espiritual que cobre todo o mundo. Onde esteja um português, está Portugal, e por isso o nosso território espiritual é muitíssimo maior, é muitíssimo mais vasto do que o território físico, formado pelas ilhas dos Açores, pelas ilhas da Madeira e pelo continente português”.
Nesse sentido, o recente 110.º aniversário da fundação da paróquia da Igreja Nacional Portuguesa das Cinco Chagas, orgulhosamente celebrado pelos luso-americanos em São José, através da dinâmica da celebração religiosa, mas também de um jantar-convívio na Irmandade do Espírito Santo (I.E.S.) Portuguese Hall of San Jose, que congregou as forças vivas da comunidade e contou com a presença do Presidente da Câmara de São José, Matt Mahan, e do Cônsul-Geral de Portugal em São Francisco, Filipe Ramalheira. Revivifica a máxima do filósofo Kierkegaard, considerado o fundador do existencialismo: “A vida somente pode ser compreendida olhando-se para trás, mas somente pode ser vivida olhando-se para frente”.

Daniel Bastos

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