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A física encontra a psique: introdução simples ao mistério quântico

No início do século XX, dois homens de profissões académica aparentemente díspares iniciaram uma conversa que viria a ressoar nas comunidades científicas globais, tanto na física como na psicologia. Um deles era Carl Jung, o psicanalista suíço conhecido pelo seu trabalho sobre sonhos, arquétipos e o inconsciente. O outro, Wolfgang Pauli, físico contemplado com o Prémio Nobel, ajudou a moldar a teoria quântica. O seu diálogo não foi um debate, mas uma investigação informal, partilhada, sobre se os mistérios da mente e os segredos da matéria poderiam “falar” a mesma linguagem.
Para perceber a relevância desta inquirição é necessário olhar brevemente para a teoria quântica, sem recorrer às equações — que desconheço —, mas em termos das ideias. A teoria quântica consiste no conjunto de regras que governa o comportamento dos átomos, eletrões, protões, neutrões, fotões, neutrinos, quarks, gluões e bósons. Tudo à nossa volta —a luz, o ar, os seres vivos, o nosso planeta — é feito de partículas subatómicas. Ao contrário do universo previsível, o mundo quântico não segue a lógica do quotidiano.
O Universo na sua constituição é feito de probabilidades. A teoria quântica não é sobre o que vemos, mas sobre o que “não vemos”. Uma das suas características centrais é a incerteza. Nunca se pode saber tudo sobre uma partícula ao mesmo tempo. Se soubermos onde está, perdemos a noção da sua velocidade, e conhecendo a velocidade a posição torna-se difusa. Isto não acontece por erro ou incompatibilidade dos instrumentos científicos dos investigadores. É a própria natureza que assim funciona.
Nenhum objeto, por exemplo uma maçã, pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. Todavia, físicos como Max Planck e Albert Einstein descobriram que naquela dimensão microscópica as regras são outras. Uma partícula pode estar em dois lugares simultaneamente, e “decidir” o seu estado apenas quando observada.
Outra ideia é a superposição. Uma partícula quântica existe em mais do que um estado ao mesmo tempo. No nosso mundo, ao lançar-se uma moeda ao ar, uma ou outra das suas faces ficará voltada para cima. No mundo quântico, ambas assumem a mesma posição até alguém observar o fenómeno.
Outra particularidade é o emaranhamento. Duas partículas podem ficar misteriosamente ligadas, de tal forma que o que acontece a uma afeta instantaneamente a outra, mesmo que estejam distantes. Einstein cunhou este fenómeno a “ação fantasmagórica à distância”, que foi comprovado.
Estas ideias fascinavam Pauli, não apenas como físico, mas como pensador. Por isso, quando começou a corresponder-se com Jung notou algo inquietante: a linguagem da física quântica ecoava o mesmo código do inconsciente. O psicanalista por seu lado, estudava há muitos anos como os símbolos e os sonhos revelam verdades ocultas. Jung acreditava que o inconsciente não era apenas um espaço pessoal, mas partilhado — coletivo, cheio de padrões que se repetem ao longo das culturas e do tempo. Chamava a estes padrões “arquétipos”.
Uma das ideias mais intrigantes de Jung era a sincronicidade ou a experiência de coincidências significativas. Por exemplo, pensar num amigo pouco antes de ele telefonar, ou sonhar com um símbolo que depois aparece na vida desperta. Estes eventos não estão ligados por causa e efeito, mas por significado. Jung propôs que a sincronicidade poderia ser uma ponte entre o mundo interior da psique e o mundo exterior dos acontecimentos.
Pauli ficou impressionado. Ele próprio tinha experienciado coincidências estranhas, sobretudo em momentos de perturbação emocional. Começou por inquirir, assim, se a indeterminação quântica e o simbolismo psicológico seriam duas expressões da mesma realidade subjacente. No seu diálogo, aqueles cientistas não tinham o objetivo de produzir uma teoria. Apenas por curiosidade intelectual, exploravam se as fronteiras que traçamos entre disciplinas são sempre úteis, ou se por vezes escondem ligações mais profundas.
Hoje, a teoria quântica alimenta as nossas tecnologias, desde os lasers aos computadores, incluindo a imagiologia médica. Mas as suas implicações filosóficas continuam por resolver o que significa que a natureza seja fundamentalmente incerta, as implicações da observação mudar a realidade, e ainda que partículas possam estar ligadas à distância.
Jung e Pauli lembram-nos que esta problemática não se reduz só a tecnicalidades, mas para além disto relacionam-se com a forma como nos compreendemos. Estamos separados do mundo, ou fazemos parte dele? O significado é algo que impomos, ou algo que descobrimos?
Não é preciso ser físico nem psicólogo para constatar o mistério. Basta reparar nos padrões — na natureza, nos sonhos, nas coincidências — e perguntar o que poderão estar a dizer. A conversa entre Jung e Pauli convida-nos a escutar, imaginar a maravilha da natureza, e reconhecer que a realidade pode ser mais rica e complexa do que pensamos.

Manuel Leal

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