A 17 de novembro, iniciou-se o novo campeonato das audiências televisivas. Tudo vale, nos dias que correm, para que as pessoas se agarrem desesperadamente aos seus trabalhos, rebaixando-se aos serviços dos grandes grupos económicos do setor de comunicação, que controlam os destinos do nosso país. Nas autárquicas a coisa passou mais ou menos entre os pingos da chuva, porque as candidaturas são tantas, e de todos os tamanhos e feitios, que se torna impossível organizar os jogos da bola, sem que haja discriminação evidente. Não é que os donos das televisões se importem com a falta de justiça e igualdade, atenção. É apenas uma maneira de se protegerem de eventuais processos em tribunal. Os ricos, muito ricos, estão sempre a proteger a sua constante criminalidade em potência, porque acreditam que igualdade é sinónimo de parasitismo. A grande maioria, por mais espelhos que tenha, nunca olhou com atenção para o seu reflexo.
Depois das eleições autárquicas, que terminaram com a capitulação do país ao partido de extrema-direita, eis-nos em plenas presidenciais, e as televisões até salivam com tantas candidaturas. Entre 17 de novembro e 22 de dezembro estão programados 28 debates, pelas minhas contas, e apenas falando dos que vão contar com os ditos “candidatos a sério”. Imagino que tenham pensado em fazer um debate na noite de Natal, mas alguém disse que talvez fosse de mais! Imagino, igualmente, que em algum recanto deste país estará Manuel João Vieira a debater a Joana Amaral Dias, e esse talvez seja o mais divertido de todos os espetáculos de surrealismo que vamos ter nesta década.
Quanto aos debates “a sério”, o ciclo já irá longo quando este artigo for publicado, e não tenho qualquer veleidade, ou sequer paciência, para vir aqui analisar o caso, palavra a palavra, ponto a ponto e berro a berro. Será mais do que suficiente dizer-vos que o que se passa, é o que já se esperava. Ventura grita, mente e passa a vida a apontar problemas, sem qualquer espécie de solução. O saudosista de Salazar especializou-se no estilo de discurso que mistura o tasqueiro com o coitadinho, fazendo-se sempre de vítima sofredora, para depois saltar em cima dos adversários e não os deixar terminar sequer uma frase. É o candidato do vídeo curto, onde são partilhadas duas frases sem contraditório ou esclarecimento, para enganar os apoiantes, que ele depois chama de tolinhos nos grupos privados de Whatsapp.
Os restantes candidatos presidenciais são, na generalidade, fracos. Há, claro, uma ou outro que se aproveita, pelo perfil de liderança, pela visão social e justa da sociedade, e pelo ato de afrontamento a um sistema presidencial que foi chupado até ao tutano pelas carcaças ambulantes de Cavaco e Marcelo, nos últimos vinte anos de desastres. Longe vai a miragem de um Jorge Sampaio digno, sem selfies, sem desmaios em direto, sem entrevistas com voz de bagaço ou sem a postura pidesca do senhor Silva, que agora nos querem vender como grande estadista, mas que passou a vida a tentar controlar os governos e a empurrar o país para o fosso.
Gouveia e Melo e Marques Mendes são os nomes que se posicionaram para a posição de liderança, com a narrativa aldrabona de Ventura a morder calcanhares. Uma vitória de qualquer um desses senhores será a continuação da calamidade nacional, patrocinada pelos meios de comunicação. Não falo dos jornalistas, ou dos restantes trabalhadores das televisões portuguesas, atenção. Esses limitam-se a cumprir ordens, e quando não o fazem são imediatamente afastados, pelos mais diversos e alegados motivos, mas nunca pela verdadeira causa: discordar da opção ideológica dos chefinhos.
Não dou para o peditório nacional que se criou em torno de Balsemão depois da sua morte, construindo um homem novo, que agora deve ser lembrado como justo e igualitário. Se ele não teve interferência direta nas linhas editoriais, como muitos dizem por aí, é porque nunca precisou. Tinha quem o fizesse por ele. O mesmo se passa com todos os grandes magnatas da comunicação social, seja ela portuguesa ou estrangeira. E o caso só piora quando observamos com mais atenção os exemplos do tal canal NOW ou da CMTV, que são filhos do mesmo pai, o grupo Medialivre.
O Medialivre, que de liberdade só terá mesmo o nome, é um grande grupo económico com muitas e muitos acionistas, que está depois dividido em grupos e grupinhos internos, para se desmembrar em nomes da nossa praça pública, com advogados, empresários e jornalistas bem conhecidos. Entre essas redes, destaca-se a Sorolla – SGPS, S. A.. Um mergulho no portal da transparência, em busca da origem do seu trabalho na sociedade portuguesa dá-nos a volta ao juízo, e não termina bem, para além de parecer ir bater a uma outra rede de um senhor chamado César do Paço, que algumas das pessoas que estarão a ler isto poderão reconhecer como tendo sido referido de forma demorada no livro do Miguel Carvalho. A propósito, esse senhor César parece que anda regressado às amizades insulares, agora mais voltado para São Miguel do que para a sua ilha natal.
Ainda sobre o grupo Medialivre, e as suas alegadas ligações à extrema-direita, não posso deixar de referir o nome do segundo maior grupo acionista, com 30% da cotação total: CR7, S. A.. Como a titulatura não engana, é de Cristiano Ronaldo. Sim, o nosso melhor jogador de futebol do mundo, formado no meu querido Sporting e ascendente máximo da portugalidade lá fora. Cristiano é dono da CMTV e do NOW. E é, também, um fã declarado de Donald Trump e dos amigos extremistas, para além de recentemente se ter tornado embaixador do regime ditatorial da Arábia Saudita, e de estar a dar entrevistas cada vez tasqueiras, ao estilo de debate do senhor Ventura.
Do grupo Medialivre, da CMTV e do NOW, o vírus foi-se espalhando e agora só temos canais assim. Em busca de crimes graves para anunciar nos telejornais. Na construção de um ciclo de debates presidenciais digno de uma Liga Europa. Onde o tasqueiro-mor é convidado para entrevistas em regime de dia sim, dia sim senhor. E onde se fazem eternos painéis de comentários para analisar debates, e dizer-nos quem ganhou e quem perdeu.
De uma vez por todas. Os debates não se ganham ou perdem! Não é um raio de um jogo de futebol. Ou reaprendemos essa verdade básica da cidadania, ou estaremos condenados a um país onde o maior canal de audiências é detido por um jogador da bola que acha que as mulheres são objetos e o seu ídolo é o maior ditador do século XXI, até ao momento.
Alexandra Manes