Quando Séneca instituiu as suas dez regras de conduta para a atividade política (e para o comportamento dos políticos), muitos – a começar pelos seus companheiros do Senado – pensaram tratar-se de um pensamento louco e impraticável na política romana.
Afinal, tratava-se, tão-só, do estabelecimento de princípios de comportamento ético de indiscutível acuidade e que, na realidade, acabaram por formatar a chamada “política moderna romana”.
Estamos, nos Açores, a atravessar um período perigoso. A duas semanas de um ato eleitoral de suprema importância para a legitimação e confirmação de ideias e projetos políticos distintos, e da definição de um quadro que pode, por si só, garantir ou não a governabilidade da região, o tempo de Séneca volta a impor-se: a dignidade, a ética, o discurso fluido mas não manipulador, a capacidade de convencer pela validade dos argumentos e não pela eloquência da retórica.
Durante a semana, foram produzidas duas verdadeiras pérolas discursivas que definem o que de menos bom se pode fazer perante o eleitorado. Vasco Cordeiro, no Faial, e Andreia Cardoso, na Terceira, corporizaram o discurso já escutado, repetitivo, feito de “soundbites” que outrora podem ter sido decisivos mas que, agora, roçam o desperdício de verbo. Ademais, porque a argumentação gasta de atacar os últimos três anos limpando os vinte anteriores, e a incapacidade de projetar verdadeiramente o futuro sem ser através de um modelo mimetizado de repetição de frases feitas e de ataques cruzados já não colhe diante de vota.
Os políticos (sobretudo aqueles que fazem da política profissão, totalmente ao contrário do espírito que a deve nortear e dos princípios de missão que lhe estão subjacentes, sempre de passagem e nunca de permanência) talvez ainda não tenham compreendido cabalmente o que o eleitor lhes pede: novidades, ideias disruptivas, verdadeiras soluções no espaço e no tempo devidos, e não apenas em sede de campanha eleitoral.
Os muito tristes espetáculos dados por uma boa parte dos deputados à Assembleia Legislativa Regional, na maioria das sessões plenárias (e oriundos de todas as bancadas, sublinhe-se), demonstram bem a falência de ideias, a necessidade do debate cru e, muitas vezes, de encontrar à tarde argumentações para contradizer o que o outro lado, de manhã, propôs e que até se aproximava da “nossa” posição. As dinâmicas são repetidas e, infelizmente, os protagonistas são quase sempre os mesmos, diluindo, na análise geral, o mérito (que o há e que o têm) de alguns dos mandatados pelo povo açoriano para o representar no hemiciclo da Horta.
E surge, agora, uma nova (e muito perigosa!) variável nesta equação: a capacidade de penetração e influência das redes sociais. Esgrimem-se argumentos falsos, aproveita-se a facilidade de propagação (estudada quase ao pormenor) de notícias não verídicas ou, pelo menos, de credibilidade muito duvidosa e – ainda muito pior… – ataca-se a fundo a dignidade pessoal de muitos dos protagonistas. Tudo ao abrigo do anonimato ou dos perfis falsos, e sob a proteção de “grupos” privados nas redes (um deles, assumida parte integrante de estratégias facciosas e utilizador indevido de um espaço público e, portanto, sujeito a regras supostamente bem definidas, pelo menos do ponto de vista ético).
Resumindo: um execrável comportamento, bem ao nível dos seus presumíveis autores e da cobardia garantida por um teclado de computador, sem nome e sem face.
Séneca, como bem sabem os que estudaram ciência política, suicidou-se junto à esposa, por considerar indigna e injusta uma condenação (também à morte) por parte do imperador Nero. Um desfecho previsível para quem fez da ética a sua conduta e de um dos seus tratados (“Consolos”), um manual social de conhecimento e de comportamento.
Admitamos que desejar um novo Séneca é pedir muito.
Mas regular por alguns dos seus ensinamentos a vida política açoriana nas próximas duas semanas talvez fosse um bom princípio.
E o eleitor – que jamais será parvo… – certamente agradeceria.
Rui Almeida*
*Jornalista