Recostado num cadeirão de praia, no Poceirão da Manhenha, sob o sol intenso do meio-dia, ouço contar problemas do dia-a-dia: as distâncias que penalizam o acesso aos cuidados de saúde, as dificuldades em encontrar quem queira trabalhar a terra e as vinhas, quem esteja disponível para a construção civil e por aí fora…
Além, num pesqueiro tradicional a meia milha da costa, um barco de boca aberta faz-se ao peixe de fundo, aos írios e outras espécies que nesta altura alcançam bons preços.
“Mas com que dificuldades!… – comentava um antigo marítimo – Pois se a grua do porto não trabalha e os barcos não podem varar neste velho porto, recentemente melhorado e ampliado? Se o pescado chega a terra e não há frio na lota para conservar o peixe até ele ser transportado para a outra fronteira?… E estamos assim há muito tempo!… Até já se diz que os pequenos portos não dão lucro e que a Lotaçor irá encerrar outras infraestruturas existentes à volta da ilha…”
Verdade? Mentira? Os responsáveis, por obrigação do cargo que desempenham, deviam responder a esta questões e tranquilizar os pescadores. Caso contrário, corre-se o risco de a atividade piscatória diminuir por falta de mão-de-obra e porque os encargos com a atividade são demasiado pesados.
Todos os dias no Poceirão há uma novidade, um comentário a antigas reivindicações de quem vive aqui todo o ano e tem de deslocar-se longe para beneficiar de direitos básicos à saúde e à vida.
Há dias a televisão falou mais uma vez da velha e revelha necessidade de ampliar a pista do Aeroporto do Pico, e logo se falou de atrasos e cancelamentos em viagens de e para Lisboa.
É sempre uma incógnita pois nunca se sabe se e quando há avião. “No dia em que viajei – comentou alguém – já estávamos na manga para entrar no avião e tivemos de voltar à sala de embarque. Sem nenhuma explicação. Felizmente meia hora depois, embarcamos. É sempre uma incerteza que afeta negativamente qualquer passageiro que queira regressar e por isso cada vez mais se pensa duas vezes em fazer a viagem.”
O comentário calou os mais apaixonados da conversa, admirados com as peripécias por que passam tantos veraneantes, proprietários de casas de férias recém-construídas, onde recebem outros forasteiros.
Muitos vêm e vão pelo Faial, com o transtorno de arrastarem bagagens do aeroporto até ao barco e vice-versa, sujeitos aos atrasos e alterações do tempo.
É por isso que os picoenses reclamam, há muito, a ampliação da pista do aeroporto.
Quem fizer a história daquele empreendimento, se quiser ser sério e objetivo, irá encontrar, como ponto de partida, uma decisão tomada por militares, antes de os Açores terem órgãos de governo próprio. Seria, certamente, uma pista para fins militares, adequada aos equipamentos existentes da Força Aérea.
O primeiro Governo Regional entendeu – e bem! – assumir os encargos da construção da estrutura que, segundo se dizia na altura, não foi sujeita a complexos estudos de viabilidade aeronáutica, como ora acontece.
A engenharia militar, terminada a guerra colonial, ganhou vasta experiência na abertura de pistas militares nas colónias africanas e foi com esses conhecimentos que abriu a tão controversa pista do aeroporto do Pico. Esse trabalho, feito por um pequeno grupo de militares, merece o maior reconhecimento dos picoenses.
Já quando foi inaugurado o aeródromo do Pico, em 25 de Abril de 1982, a população tinha a noção de que, com cerca de 1.200 metros e uma aerogare com pequenas dimensões, se estava a estrangular o crescimento do movimento aéreo com o exterior.
A progressão rapidamente registada comprovou o sentimento geral, mas houve sempre quem negasse as evidências e recusasse a ampliação.
Só em 1992 se procede ao aumento da pista para 1.520 metros e 30 de largura, de forma a poderem operar os ATP da SATA.
Em 2002, houve nova ampliação para 1.745 metros de comprimento e 45 metros de largura, tendo em vista a operação de aviões de médio curso. Simultaneamente decidiu o Governo de então proceder à construção de uma nova aerogare, placa de estacionamento, torre de controlo, serviço de socorro e combate a incêndios, abastecimento às aeronaves, armazém de material de placa e armazém de cargas.1
Tornava-se assim irreversível o melhoramento daquela plataforma aeronáutica a que se seguiu a instalação do ILS e a beneficiação do piso da pista com o ”grooving”.
Com todos estes melhoramentos, aumentou a procura do destino e a atividade económica cresceu, passando a ilha do Pico a ocupar o terceiro lugar no contexto insular. Torna-se por isso imperioso o prolongamento da pista em mais 700 metros, segundo recomendam entidades aeronáuticas.
Os resultados do mais recente estudo encomendado a uma empresa de consultadoria sobre esta velha aspiração chegaram há dias e foram revelados de forma pouco inusitada e acintosa.
Tratando-se de mais um estudo sobre o prolongamento de uma pista certificada que deverá ter tido em conta outros já efetuados por entidades credíveis, não se entende que a solução alternativa proposta seja a reorientação da pista, ou seja a construção de uma nova infraestrutura. Por outras palavras, o estudo contradiz as análises para a ampliação e certificação realizadas pelas diversas autoridades aeronáuticas, considerando-os errados e sem credibilidade.
Se assim é, para quê mais um mini-estudo, e gastar-se mais dinheiro, se compete ao Governo decidir depressa o que bem entende fazer?
Não será essa uma forma de protelar no tempo uma necessidade urgente, quando são conhecidos os constrangimentos que afetam o transporte aéreo no grupo central, nomeadamente no aeroporto da Horta?
“Que a vossa palavra seja sim-sim, não-não”, recomenda o Mestre.
De paninhos quentes estamos fartos e de preferências “capitalinas” ainda mais.
A História da Ilha do Pico continua a fazer-se dia-a-dia, mesmo com agentes externos interferindo na penumbra de negócios e interesses inconfessáveis.
Novos corsários andam por aí, mascarados de protetores e amigos, quando, na verdade, são maliciosas raposas com pele de cordeiro…
1 https://pt.wikipedia.org/wiki/Aeroporto_do_Pico
José Gabriel Ávila*
*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com