O legado do príncipe
Alguém lhe chamou ‘um Príncipe da Liberdade’ e eu não estaria em desacordo com isso.
Francisco Pinto Balsemão ‘tocou o Céu’ nesse princípio sagrado da defesa da Liberdade como um todo, bem como nas liberdades democráticas de um estado de Direito, como a da informação livre.
Enquanto jornalista, onde comecei a dar os primeiros passos no “Correio dos Açores” a 01 de março de 1970, sentindo posteriormente algumas picadelas da madrasta nacional censuradora, bem como das enormes restrições ao intelecto de quem escrevia e queria exprimir ideias renovadoras, não poderia deixar de comover-me com a partida deste monstro sagrado das ideias livres que foi Francisco Pinto Balsemão. Combater, de qualquer forma, o país distópico que então se vivia, era um ato de abençoada loucura.
Aquando da Ala Liberal da Assembleia Nacional de Marcelo Caetano, eu estava na guerra em África, cumprindo missão imposta por castigo militar, pela rebeldia ao sistema. Como eu, outros o fizeram e sofreram as mesmas ou piores consequências. Continuei a fazer o que mais gostava e terminei por, em fevereiro de 1973, após o término da comissão africana, tentar sair do país. O sistema não autorizava a minha saída. Teria que esperar alguns meses. Comprei um passaporte na ‘candonga’ no Intendente, na Almirante Reis em Lisboa, através de contatos e fui para o Canadá no março seguinte. Com toda a tecnologia hoje existente, creio que não sairia do aeroporto de Lisboa sequer, com esse passaporte que guardo como recordação.
Dias antes da minha saída da Guiné, fomos visitados pelo general António de Spínola, que acumulava os cargos de Comandante-Chefe das Forças Armadas e Governador daquele território operacional. Em pleno mato, Spínola nunca avisava quando visitava os aquartelamentos do interior. Aparecia de helicóptero aterrava e mandava o comandante de Companhia ordenar o toque de formação das forças. De seguida falava com este ou aquele, sobre as condições alimentares, disciplina, etc. Perguntou-me que iria fazer quando regressasse a casa. Disse-lhe que iria sair do país, tentando explicar-lhe as razões. Disse-me então: “Ó rapaz, fica porque as coisas vão mudar para melhor”, ao que eu respondi: “Desculpe, meu general, mas eu já ouço isso há muitos anos”. Ao que ele retorquiu-me, dirigindo-se já para o militar seguinte: “Sim, rapaz. É verdade. Mas desta vez talvez seja…” Já não entendi o resto. E saí do país no março seguinte, com o tal passaporte. Entrei como visitante. Semanas depois casei. Comecei desde logo a aprender o que era Democracia. A viver a Democracia. A escrever e editar jornais em absoluta Liberdade. Esse era o Paraíso que buscava. Um ano depois, Spínola editava o seu livro “Portugal e o Futuro” e dois meses depois acontecia o 25 de abril e o meu primeiro filho, Joseph, tinha quatro meses. Entrei na vida política canadiana e quebequense. Sempre que ia a Toronto, trazia o “Expresso”, jornal que havia saído há pouco tempo e que havia sido editado por um tal Francisco Balsemão. Não mais deixei de ler esse jornal sempre que podia e quando o apanhava, porque se esgotava rapidamente em Toronto e eu estava em Ottawa (Otáva) a 500 quilómetros de distância.
Já tudo foi dito por estes dias sobre o cidadão Francisco Pinto Balsemão e das suas batalhas pela liberdade. Comecei a admirá-lo e, agora, sinto a tristeza dele ter sido retirado de entre nós.
O seu legado – nunca esqueçamos – a defesa intransigente da LIBERDADE DEMOCRÁTICA.
José Soares
